A cena toda começa tendo eu de fundo, observando. Minha participação consistia numa observação, à qual eu me entregava com dedicação, tentando entender, inclusive, os motivos que me faziam continuar lá, e não desistir daquela porcaria.
Sim, afinal não me dava prazer algum persistir naquilo. A poucos metros de mim, eles dois se beijando; ela revirando os olhos e cravando as unhas nas costas dele que, à vontade, passeava com as mãos no corpo dela. Estavam um pouco bêbados. Mas nada que justificasse o fato de, por exemplo, terem se entregado um ao outro somente porque, bêbados, não tinham consciência do que faziam. Era algo além do efeito do álcool que os havia unido daquela forma selvagem.
Até que resolvi ensaiar uma saída. Ela percebeu, pois foi bem na hora em que abriu os olhos para conferir a hora em seu celular. Fez sinal para que eu esperasse, o que respondi, também com sinais, indicando que negativo, não poderia esperar. Ela então se despediu do rapaz, com um selinho, e deu-lhe seu copo cheio de vodka com guaraná. E veio até minha direção, sorrindo e descabelada. Satisfeita e suada. Como se tivesse morrido após uma vitória num combate e ganhasse a oportunidade de deus de viver novamente.
Eu, na minha condição de mero mortal, estava razoavelmente anestesiado. Sentindo-me bem, mas incomodado com a qualidade da bebida que estava segurando. Reclamei um pouco, dizendo que nunca mais haveria de retornar a ingerir coisa tão ruim assim novamente. Percebi, então, que dentro do copo, misturados ao gelo e à vodka, boiavam inúmeras partículas que logo puderam ser identificadas como restos de fumo. De algum jeito, uma bituca de cigarro veio parar no meu copo. O odor de nicotina, pensei o tempo todo, era do ambiente, ocupado em sua maioria por fumantes novatos, que mal sabiam como tragar. Foi então que ela deu uma gargalhada daquelas. Fiquei furioso; disse que podia morrer! Afinal, eu praticamente tinha comido aquela merda.
Minha condição de babaca sempre havia sido o elo que me unia a ela. Eu não sabia o que a fizera se grudar naquele cara, mas sabia bem o que a fazia depender de mim. Coisas como não perceber uma bituca de cigarro na bebida e, por isso, querer reclamar com o barman que o drink estava um lixo, faziam com que eu fosse para ela um personagem de algum romance. O Bruno, aquele que bebe vodka com gelo e um Malrboro dentro; que, não percebendo nada, continua bebendo aquela droga e, de nariz empinado, vai até o balcão e faz um diagnóstico desfavorável sobre a qualidade do que está bebendo.
No caminho até o estacionamento, ela tenta se lembrar o nome do cara que pegou há pouco. Diego, Cauê? Ricardo, ou será Pablo? Diz não se importar, afinal tinha sido bom. Eu não abria a minha boca, inicialmente porque estava muito ocupado retirando dela aquelas substâncias tóxicas que não desgrudavam de meus lábios. Depois, não abria a boca porque não queria mesmo. Ela, ao contrário, falava, falava e falava.
Quando avistei meu carro, quis ter certeza de que ela tinha condições de voltar dirigindo sozinha. Ela disse “e você! Bebeu também, pô! Não pode dirigir”. Expliquei que graças ao filtro do cigarro que estava mergulhado na vodka, boa parte havia sido absorvida, não sendo por mim ingerida. Ela riu e se despediu, com o abraço de sempre.
Voltei para casa, pensando na situação engraçada da noite. Mas depois, uma triste interpretação me fez reavaliar o fato. Durante toda a noite, o único sabor, ao qual minha boca se entregou, foi o de um cigarro que sequer pude fumar.
domingo, 21 de junho de 2009
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