Numa conversa há um bom tempo, disse para alguém, não me lembro quem, que finalmente tudo estava entrando nos eixos e que, ao que tudo indica, logo mais estaria partindo. Faria dar tudo certo, e aquelas palavras, bem me lembrou meu interlocutor, jamais sairíam de minha boca. Estremeci. Só pude concordar e, pior, reforçar sua observação. "É, não sairíam mesmo". Cheguei a comentar também de alguns planos, alguma coisa sobre conhecer uma parisiense, me apaixonar por ela, depois de fazê-la se apaixonar por mim, e fugir para Marseille, onde eu finalmente poderia ficar numa boa, depois de um divórcio pacífico.
A pessoa com quem dividia tais sonhos incompatíveis com meu jeito de ser - incrivelmente abobalhado com as coisas mais bestas do mundo - era muito inteligente. Acendia um cigarro atrás do outro e sempre me oferecia um trago. Eu nunca os aceitei, menos pela saúde e mais porque acho que cigarro é uma coisa muito pessoal. Porque simplesmente é uma coisa fálica -trata-se de uma representação de sexo oral com o próprio pênis, seja o fumante homem ou mulher. No caso, lembro-me ainda com dificuldade, conversava com uma verdadeira dama. Ela e eu, e no meio o falo.
Entre uma tragada e outra ela me dava não conselhos, apenas "some tips", como dizia. Até que tomou cena aquela palavra. Ela surgiu em conjunto, formando uma expressão cruel, injusta, mas necessária para mim naquela hora. "Você é muito radical!".
Aquilo foi praticamente uma denúncia. Radical, eu? Dei com os ombros. Esperava, sei lá, "ingênuo", pois já ouvi isso tantas vezes quanto um padeiro ouve do cliente "saíu faz pouco tempo o pão?". Mas "radical", estranhei. Deixei as horas seguirem com meus relatos de antes. Afinal, tudo estava entrando nos eixos. E tudo indicava que logo mais eu estaria partindo. "Bruno, sempre que te encontro, você está indo. Indo, indo, finalmente indo... Para onde?" Ela queria saber para aonde eu estava caminhando. Apontei para a sua esquerda. "Pro viaduto?". Quem sabe? Mas eu confirmei que não. Eu disse que sair por aí sem rumo é coisa de quem não tem o que fazer; coisa de quem não tem objetivos na vida. Aí, depois de dar aquela tragada no cigarro, demonstrando como sua boca pode muito bem denunciar seus desejos mais reprimidos, ela resmungou. "Mas pra quê você precisa de mais objetivos?".
Respondi. "Para prosseguir". E prosseguir no quê?, ela intimou. E nesse jogo, perdi. Não sabia o que responder e, percebendo que uma resposta boa não viria de minha parte, ela não só ofereceu um trago do cigarro, como, ao receber o "não, obrigado" habitual, enfiou um em minha boca, colocou o fogo em sua ponta e autorizou. "Puxa!"
Dentro de poucas horas, eu iria partir, sabendo que isso seria um passo importante para progredir na vida, pois este era e sempre foi meu objetivo. Mas em meio a tantas palavras-chave de discurso de bom moço que eventualmente desce até a Augusta para se sentir mais homem, eu era mais um falante que não sabe nada de ter objetivos na vida. Eu era "radical" demais para querer saber dos desencantos que a fala da moça me trazia e me forçava a internalizá-los. Eu, que nunca fumara antes, não só estava fumando, como também estava - fato inédito! - profundamente deprimido e fumando, ao mesmo tempo! Senti-me grande. Muitos deprimidos que não se entregam, de jeito nenhum, aos sabores de um bom cigarro senten-se balançados quando pensam em quão mais belo seria seu estado de depressão se uma vistosa, quente e negra fumaça de nicotina tomasse forma ao redor de sua cabeça e fizesse com que sua triste expressão facial ganhasse um outro status, aos olhos de parentes e amigo, pois estes passariam a ver um rosto obscurecido pelo vício, pronto para a morte e em sintonia com o que se entende por "homem de merda".
Era assim que eu me sentia. Como se fosse um daqueles personagens de filmes dos anos 60, ainda preto e branco, que acendia um cigarro para elevar-se em sua própria condição desfavoravel.
"Talvez seu objetivo seja sair por aí mesmo, ouvindo os outros, registrando... Eu mesma adoraria fazer isso. Até acompanharia você, mas não posso. Aproveita sua radicalidade e esquece de boa parte de sua vida". Ela dizia isso quase que científicamente. Era sua posição de "reveladora da verdade" que me fascinava. Imaginava que, se tratando dela, de seu belo discurso e sua encantadora maneira de fumar, não importaria o que ela dissesse, eu daria como verdade!
"É, vou fazer isso!", eu disse. Joguei o cigarro no chão, meio que não querendo fazê-lo, afinal não sabia quando seria a próxima vez que voltaria a fumar, e reconsiderei. "Vou fazer isso, mas então este será meu objetivo!".
Despedi-me dela, beijando o rosto. A marca de batom ficou ligeiramente em minha face direita.
Ela pediu para que eu reclinasse novamente e, com o cigarro na boca, tentando tirar a mancha de mim, pensou em voz alta, creio eu. "Vai voltar assim... achando que ganhou a noite".
sexta-feira, 5 de junho de 2009
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